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GIGANTE IARLEY: DIÁRIO DE UMA CONQUISTA – PEDRO IARLEY

Esta é a história de um homem que nasceu para viver grandes histórias.

Ou melhor, a narração de um gigante sobre a história de sua vida. É a versão que interessa aos colorados, afinal de contas. Porque ninguém tem tanta propriedade quanto Iarley para abordar os eventos ocorridos em Yokohama naquele 17 de dezembro de 2006. A jornada das jornadas. O dia pelo qual todos os colorados esperavam. O dia que todos os colorados continuam lembrando. Passados exatos 15 anos, com nitidez cada vez maior.

É uma data exclusiva, um divisor das águas do Guaíba, que leva a assinatura de Pedro Iarley. Nascido na cidade cearense de Quixeramobim, desde sempre buscou as aventuras que o mundo do futebol proporciona àqueles que têm a envergadura técnica e moral para se apropriar dos grandes palcos, das grandes provações. Foi assim quando marcou o gol da memorável vitória do Paysandu contra o Boca Juniors, pela Libertadores de 2003, em pleno estádio da Bombonera.

E também depois, recém-chegado, defendendo a própria camisa azul y oro do gigante argentino, quando estreou com gol no clássico contra o River Plate. Don Pedrito Iarley nunca esteve para brincadeira, e isso a torcida do Inter percebeu logo em sua chegada ao Beira-Rio em 2005.

A maioria dos colorados não pregou o olho na noite que antecedeu a partida contra o Barcelona, e mesmo Iarley confidencia que passou aquela madrugada falando sobre o jogo com os companheiros. Mas ele pisou em campo como se tivesse dormido o sono dos inocentes, como mostrou a última parte do jogo. Os colorados sabem que não há exagero: foram os maiores 15 minutos da história de um jogador vestido com a camisa do Inter. Não por acaso, quando Fernandão precisou dar lugar a Adriano Gabiru e o time já estava fisicamente demolido, Iarley passou a usar a braçadeira de capitão – do alto do seu um metro e 70 de altura, o cidadão de Quixeramobim era o homem acostumado às grandes empreitadas, com ímpeto suficiente para colocar o maior time do mundo a seus pés. Aos pés de Gabiru também. Aos pés do Inter, sobretudo. Depois da sinfonia coletiva protagonizada pela equipe de Abel Braga durante a maior parte do jogo, veríamos, em campos japoneses, o concerto de um só homem.

Quando faltavam dez minutos para o fim (hoje o zagueiro Índio sequer deve se lembrar de que tinha o nariz quebrado quando afastou uma bola rumo ao meio do campo), na transmissão Galvão Bueno ainda anuncia, ao revisar a programação da Globo, quase como se convocasse colorados de todas as gerações: “Aí na sequência tem a Turma do Didi…”. Mas, um segundo depois, com Iarley disparando de frente para a defesa do Barcelona, nenhuma outra informação sobre o domingo televisivo tinha espaço nas sinapses coloradas. Houve um silêncio arrebatador, que assim aquietava porque aguardava pela decisão de um homem: o passe de Iarley para Adriano Gabiru saiu tão cirúrgico que, desde Tóquio até Alvorada, a terra se acalmou, esperando. E esperou para logo em seguida tremer.

Ainda teríamos extensos minutos de jogo pela frente, mas o pequeno monumento vestido de branco colocou até mesmo o relógio no bolso enquanto corria e fazia o tempo passar no lado esquerdo do campo – segurava a bola, pisava e bailava por cima dela para descomprimir a tensão que, do outro lado do mundo, levava torcedores a cruzarem os dedos ou afundar a cara entre as mãos suadas de pavor. Aos 46 do segundo tempo, faltando dois minutos, Iarley estava entreverado na bandeirinha de escanteio, colocando o celebrado time do Barcelona debaixo da trava da chuteira, quando uma câmera flagrou o jogador em estado de extrema concentração, respiração ofegante e olhos fixos no campo. Galvão Bueno, em êxtase, comentou como quem declamava: “Gigante Iarley”. A atuação estava à altura do que a partida representava. O maior jogo da história do Inter merecia o maior baile individual de um jogador vestindo a camisa colorada. A impressão é que até hoje Iarley está naquela bandeirinha de escanteio. Dançando, é claro.

Na repetição do lance do gol, quando a imagem mostra Iarley travando a bola entre as pernas de Puyol, o narrador da Globo ainda solta mais uma sentença definitiva: “Se vier, dá metade da taça pro Iarley”. Pois bem. Faz 15 anos que buscamos reconstituir todo aquele cenário, os eventos e as circunstâncias de uma manhã que transformou a vida de cada colorado. Iarley não apenas ganhou metade da taça, a taça inteira que fosse, como também conquistou o direito, às vezes transformado em dever, de narrar durante toda sua vida posterior aqueles lances que determinaram o futuro de um clube e de uma torcida. O que aconteceu naquele 17 de dezembro precisa ser escutado – e será para sempre a história de Iarley e também de pais e avós colorados.

Mesmo eu, em alguma noite de futebol numa quadra perdida por Porto Alegre, tive a oportunidade de testemunhar Iarley repetindo um punhado de vezes, para grupos diversos de colorados continua mente extasiados, mesmo que até hoje nervosos, o que aconteceu naquela jornada de Yokohama. O que ocorreu desde a saída de Porto Alegre, por que o passe teve Gabiru como destino, em que lugar do campo Puyol se arremessou como um trem descarrilhado, a influência de Fernandão dentro e fora de campo. Essas são situações e lembranças agora impressas, uma conversa ao pé do ouvido que não será esquecida. Este é o livro de um gigante que escreveu a história do Inter. E, para a felicidade dos colorados, ele não cansa de lembrar.

DOUGLAS CECONELLO,
JORNALISTA E COLORADO