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O MISTÉRIO DA CASA DOS VELHOS – HIPÓLITO MACHADO

Prezado leitor, por favor, acomode-se. Você tem em mãos uma relíquia escrita em 1931 e que se manteve inédita até 2019: O mistério da casa dos velhos. A novela, criada por José Hipólito Flores Machado durante um período de férias na pequena cidade de Silveira Martins, no centro do Rio Grande do Sul, apresenta nova trama centrada nas investigações do astucioso policial Ipepo Quieda.

Nova, porque o detetive já aparecera em Os ladrões do Val de Buia, publicada pela primeira vez em 1933, em edição da Livraria do Globo – e reeditada em 2006, então pela Câmara de Vereadores de Silveira Martins, ocasião dos 110 anos de nascimento do autor.

Os ladrões do Val de Buia, aliás, seria um dos primeiros romances policiais brasileiros de autoria individual – talvez o pioneiro no Rio Grande do Sul. Antes dele, o imortal pernambucano José Joaquim de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque, que já havia participado da obra coletiva intitulada Mistério (escrita em 1921 em conjunto com Afrânio Peixoto, Viriato Correia e Coelho Neto), publicou, em 1926, O assassinato do general.

Não ter sido o primeiro, contudo, não diminui em nada o mérito de Hipólito Machado, tendo em vista que nos anos 1920 e 1930 os livros policiais ainda se restringiam a poucas e isoladas experiências. O santa-mariense, provável leitor dos pais do gênero, como Edgar Allan Poe (criador de Auguste Dupin) e Arthur Conan Doyle (autor das aventuras de Sherlock Holmes), soube identificar e se apropriou bem dos elementos que constituem essas narrativas. Criou, assim, a figura de um detetive, e tratou logo de colocá-lo em um ambiente interiorano ainda um tanto bucólico e obscuro, mas que já via a modernidade passar em velocidade na carona de automóveis, símbolo da transformação e do crescimento urbano que se impunha. A cidade, aliás, apesar de se prestar a esconder as faces mais degradantes do homem, precisava encarar a partir de então a inteligência daquele homem, voz da ciência e da razão, que tão bem representa as ideias iluministas em voga no período.

A obra, que chega agora para se acomodar em espaço de destaque na cronologia da história da literatura rio-grandense e brasileira, surge como possibilidade de retrato das primeiras décadas do século passado no Estado. Seja pela linguagem, seja pela paisagem que revela, ela traz elementos para os estudos desse gênero surgido no século 19 em um momento em que se tentava deixar no passado uma era de obscurantismo.

O perspicaz Ipepo Quieda encarna isso, e mesmo que às vezes entregue demais por excesso de generosidade com o leitor, não deixa a tensão da história diminuir. A complexidade se mantém até o desenlace, e nós somos surpreendidos em vários momentos, atentos ao desempenho dele. Afinal, como escreveu o jornalista e crítico Carlos André Moreira (2011, p. 15), “o que constitui a verdadeira característica desse tipo de narrativa (…) não é o crime, e sim a figura de um personagem dedicado a elucidá-lo”. E Ipepo Quieda faz um belo trabalho. Por isso, arrisco dizer, ele tem tudo para ingressar na galeria dos grandes detetives da história da literatura, o que dará ainda mais relevância para O mistério da casa dos velhos.

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Hipólito Machado não conseguiu publicar O mistério da casa dos velhos em vida, mas teve o cuidado de organizar os manuscritos de tal maneira que, mesmo guardados posteriormente na casa de herdeiros (ele morreu em janeiro de 1982, aos 85 anos), eles sobreviveram à ação do tempo e chegaram até nós.

Agradeço à dona Aglaé Machado de Oliveira, filha do autor, pela oportunidade de ter trabalhado para a realização deste projeto. Foi ela quem me entregou um pacote de folhas com quase 90 anos, já amareladas, atacadas em parte por insetos, com texto batido à máquina e anotações feitas a lápis ainda muito legíveis. Revisitar a história também é um trabalho de detetive. Mas com provas tão vibrantes, fica muito mais fácil apontar os culpados.

Que a investigação continue nas mãos dos leitores!

André Roca

Porto Alegre, junho de 2019.


Textos consultados

BRENNER, José Antonio. Primeiro romance policial in Brenner de Santa Maria. Disponível em http://brennerdesantamaria.blogspot.com/2010/12/primeiro-romance-policial.html. Acessado em junho de 2019.

MOREIRA, Carlos André. Negra melancolia: modernidade, história e cultura no policial português de Francisco José Viegas. Dissertação de mestrado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 2011.

RAMIREZ, Luiz. Os ladrões do Val de Buia in Molduras Provisórias. Disponível em http://moldurasprovisorias.blogspot.com/2011/01/meu-avo-com-quem-vivi-quase-toda-minha.html. Acessado em junho de 2019.

VEDOIN, Gilson. Entre a história e a detecção: o caso de Os ladrões do Val do Buia. Revista Literária Banzeiro: a poesia em movimento. Disponível em https://banzeirotextual.blogspot.com/p/ensaios-literarios.html. Acessado em junho de 2019.